
Mídia eletrônica profissional


Cenografia virtual na TV
Ricardo Pizzotti
A cenografia virtual vem tomando espaço em emissoras de todo mundo, e aqui no Brasil já vemos os primeiros sinais de sua instalação. Programas como o Globo Repórter, Fantástico, Pelo Mundo e N de Notícia, fazem uso de cenários corpóreos totalmente produzidos por computador.
No cenário virtual é possível incluir objetos virtuais na cena e, com um ensaio prévio, criar a ilusão de que o ator está interagindo com eles. Ele pode circular em volta do objeto e ter sua sombra e reflexo projetados nele como se fosse um objeto real. Os movimentos de câmera (pan, zoom e travelling), que não eram possíveis de se conseguir no chroma-key, fazem um cenário virtual parecer real. Uma das formas de se produzir este movimento é através de sensores instalados nas lentes e no tripé das câmeras.
A revista Luz & Cena, em matéria publicada em setembro de 1998, já descrevia com fascínio a apresentação do cenário virtual na Broadcast & Cable que acontecia no Palácio das Convenções do Anhembi em São Paulo: "No estande, uma atriz permaneceu a frente de um cenário com apenas um fundo pintado em azul. Na tela, entretanto, foi visualizada a interação da atriz com imagens reais"(Mello in Luz & Cena, 1998: 53). Claudio Younis, diretor da Eletro Equip, empresa que comercializa no Brasil os software para cenários virtuais, afirmou que tecnicamente os cenários virtuais fazem a composição dos atores ou apresentadores com um cenário 3D, que acompanha de forma realísticas os movimentos da câmera e, complementa, "a vantagem desta tecnologia é a possibilidade de ampliar a criatividade dos produtores, com a redução dos custos operacionais na criação de cenários reais" (Mello in Luz & Cena, 1998: 54). Na Broadcast & Cable 2000, realizada em agosto, no Centro de Exposições Imigrantes em São Paulo, a Eletro Equip voltou a demonstrar os equipamentos para cenografia virtual, agora com novos recursos (como transmissão pela rede), assim como, a queda no preço dos equipamentos, o que acaba tornando-o ainda mais viável.
Esta nova forma de pensar e desenvolver o projeto cenográfico televisivo vem afetando diretamente os profissionais envolvidos na criação e produção cenográfica.
As imensas fábricas de cenário começam a dar lugar a pequenas salas informatizadas, os estúdios de televisão reduzem seu espaço, estrutura física e pessoal. A cenotécnica e maquinária, responsáveis pela construção e instalação do cenário vão sendo substituídas. Aos poucos softwares como o 3D Studio Max, Larus, Ibis entre outros, ocupam o espaço que antes era da madeira, dos revestimentos e tintas. Operadores de computador tomam o lugar de marceneiros, pintores e aderecistas, que partem para outros mercados, como eventos, shows e outras áreas de entretenimento que hoje utilizam seus serviços.
Os cenógrafos, diante da transformação por que passa este meio, não estão imunes a esta onda de substituições, e enfrentam a concorrência dos vídeo-designers, que já tinham seu espaço nas emissoras de televisão com produções para aberturas de programas, selos para telejornalismo e vinhetas. Para o cenógrafo José de Anchieta, um veterano na profissão, a tecnologia é a grande responsável pela migração do cenógrafo para as áreas de eventos e shows: "ele (computador) barateia muito o custo de um cenário porque não precisa de material nem de muita mão-de-obra. Acredito que o uso da computação gráfica diminua em até 90% o custo de um cenário" (Teixeira in Tela Viva, 1997: 57).
A falta de organismos estruturados que reúnam os profissionais que estão no mercado para troca de informações e atualização; o reduzido número de cursos técnicos e disciplinas em escolas universitárias; e a carência de publicações em língua portuguesa que tratem do assunto, acabam levando o cenógrafo brasileiro a buscar o aprendizado e aperfeiçoamento na prática. A informação no campo cenográfico é coisa rara, e isso faz com que o cenógrafo brasileiro continue aprendendo com acertos e erros do dia a dia. Com isso, não é de se estranhar, que o surgimento da cenografia virtual apresente-se ainda como um campo desconhecido para o cenógrafo de televisivo.
Diante desta realidade, o vídeo-designer parece ter o perfil adequado para suprir esta necessidade no momento. Pois, mesmo desconhecendo os princípios básicos de linguagem e aproveitamento do espaço em três dimensões, faz uso dos elementos básicos da comunicação visual.
Porém não é só o mercado e profissionais que são afetados por estas mudanças. O próprio conceito de cenografia, que durante toda história da cenografia ocidental sofreu alterações devido a evolução tecnológica e adaptação a novos espaços, apresenta-se ainda mais confuso. A existência de diferentes conceitos cenográficos se deve a esta "mania" da cenografia de entrar em um espaço, reconhecê-lo em suas particularidades e adaptar-se a suas necessidades até adquirir uma linguagem própria deste sistema. Esta adequação por sua vez, leva a mudança em seu processo de desenvolvimento, escolha de materiais e técnicas de produção. O teatro tem uma linguagem própria, o que leva a utilização de técnicas e materiais próprios para sua linguagem, na mesma situação encontra-se a televisão e os outros campos de atuação cenográfica.
As fases de transição que fizeram com que a cenografia passasse de arte pictórica a arte plástica; a incorporação da luz elétrica como elemento comunicacional; o uso de paisagens naturais na fotografia em movimento do cinema; assim como, a fragmentação da imagem irradiada da televisão, levaram profissionais e teóricos a discutir o papel do cenário no espetáculo: sua relação com o espaço, com o ator e com o público. Hoje, a inexistência do espaço físico parece afastar a cenografia do seu parentesco mais próximo, as artes plásticas, "por existir apenas no tempo, inclusive no tempo real e presente, a imagem eletrônica é pura duração(...) guardando um parentesco muito maior com a música, estética por excelência da duração" (Machado, 1996: 55). Isto acaba levando a uma nova frente de debates sobre o conceito de cenografia.
Talvez as semelhanças entre as cenografias desenvolvidas para os diferentes espaços teatrais, cinema, televisão, ou computador, limitem-se apenas ao fato de todas serem uma forma de expressão comunicacional. Ou talvez, suas semelhanças sejam mais profundas, e esta transição, da cenografia corpórea para a virtual, não passe de um processo natural, como acredita Aldo Calvo: "o que mudou na atual cenografia foram os meios utilizados, pois o conceito continua o mesmo" (Calvo, 1989: 04).
O problema está em conceituar a cenografia virtual dentro deste universo: como uma forma diferente de representação do espaço e, até mesmo, um novo processo de comunicação, que necessita de profissionais preparados unicamente para esta nova linguagem ou, como uma forma de comunicação visual que sempre existiu e está em permanente evolução.
Neste momento, parece ser fundamental voltar o olhar para a evolução da cenografia na história; sua transição para diferentes espaços; e sua incorporação de novas descobertas tecnológicas, já que estas transformações levaram a mudanças conceituais, técnicas e práticas. Ao observar os caminhos traçados, pela cenografia, nos diferentes espaços de representação teatral, assim como, as dificuldades encontradas pelos pioneiros da cenografia no cinema e televisão, devido ao desconhecimento do novo meio, podemos ter uma melhor compreensão do momento que vivemos hoje.